A presidente-executiva da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), Anna Paula Losi, afirma que o Brasil tem espaço para crescer e atender à demanda de cacau da indústria. “A África é um grande produtor, mas praticamente não consome cacau. A Europa e os Estados Unidos, que são os grandes ‘lojeiros’ do mundo, são 100% dependentes de exportação. Já o Brasil é um dos poucos países do mundo que tem todos os elos da cadeia: produção de amêndoas, indústria moageira e um consumo muito importante”.
No entanto, o Brasil ainda não é autossuficiente para atender à demanda interna. Segundo a AIPC, enquanto a produção média foi de 190 mil toneladas de cacau nos últimos cinco anos, a capacidade da indústria processadora é de 275 mil toneladas.
Costa do Marfim – maior produtor mundial
Enquanto a Costa do Marfim, o maior produtor mundial, coloca no mercado, anualmente, 1,8 milhão de toneladas por ano, o Brasil, ocupando a sexta posição no ranking, não chega nem a 200 mil toneladas/ano. “Estamos muito longe do terceiro maior produtor, que é o nosso vizinho Equador, que produz 400 mil toneladas anualmente”, destaca Anna Paula.
A estimativa da AIPC é que a safra 2024/25 feche em 170 a 180 mil toneladas de cacau, mas supere a marca de 200 mil toneladas no ciclo 2025/26.
Plano Inova Cacau 2030
Em 2023, a cadeia produtiva, liderada pela Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), lançou o Plano Inova Cacau. O objetivo é alcançar uma produção anual de 400 mil toneladas de cacau até 2030 para atender à demanda interna e voltar a ter potencial exportador de amêndoas.
Os detalhes sobre as estratégias para fomentar o desenvolvimento sustentável das regiões produtoras de cacau no Brasil podem ser conferidos na página do Ministério da Agricultura.
Déficit global
A escassez mundial de cacau abre uma janela de crescimento única para o Brasil. Enquanto a África Ocidental, principal produtora global, enfrenta instabilidade política e produtiva, o país reúne condições econômicas e ambientais para crescer com consistência.
O Brasil dispõe de áreas disponíveis, tecnologia de ponta e um mercado interno robusto, que garante demanda estável e reduz a dependência de exportações. Além disso, fatores externos como o câmbio favorável e as novas regras ambientais da União Europeia aumentam a atratividade do cacau brasileiro — tanto o cultivado em sistemas agroflorestais e voltado a nichos de qualidade quanto o produzido em outros modelos.

Segundo Emerson Carneiro da Silva, gerente de cacau da Netafim, o déficit global exige urgência: “Somente a demanda atual exigiria mais de 250 mil hectares novos. E, em dois anos, esse déficit pode chegar a 1 milhão de toneladas, ou seja, precisaríamos de 500 mil hectares novos em três anos. Não vejo risco de saturação a curto prazo — e vale lembrar que o cacau plantado hoje começa a produzir apenas em três ou quatro anos”.
Irrigação: produtividade e diferenciação
A irrigação desponta como uma das grandes alavancas da cacauicultura moderna. Embora eleve o custo inicial, reduz o custo por tonelada, aumenta a regularidade da produção e melhora a qualidade das amêndoas.
Isso permite ao Brasil competir não apenas em volume, mas também em valor agregado, atendendo a mercados premium como o bean to bar. Com práticas sustentáveis, o Brasil pode atender às exigências ambientais da União Europeia. A diversificação de origem interessa a compradores que querem reduzir a dependência da África. Assim, o país concorre não apenas em volume, mas também em qualidade, sustentabilidade e valor agregado.
Entre as tecnologias mais promissoras, destacam-se a irrigação por gotejamento, que aplica água e nutrientes diretamente nas raízes, e a microaspersão, capaz de manejar o microclima da lavoura. Ambas ampliam a eficiência no uso de água e energia, fortalecendo a sustentabilidade da cadeia.
Tecnologia e genética de mãos dadas
O desempenho do cacau irrigado se potencializa quando associado a variedades genéticas mais produtivas e resistentes. Silva enfatiza que a soma de genética avançada, irrigação de precisão e boas práticas de manejo gera um salto expressivo em produtividade e estabilidade.
Outro ponto de transformação é a mecanização. Em áreas maiores, já existem soluções para poda de manutenção e colheita semimecanizada, que reduzem a dependência da mão de obra escassa e aumentam a eficiência operacional. O próximo passo é aprimorar esses sistemas para que ofereçam resultados cada vez mais próximos à qualidade do trabalho manual, mas com maior agilidade, eficiência e sustentabilidade.
Sustentabilidade no centro da estratégia
A irrigação localizada ajuda a preservar recursos hídricos, aplicando apenas o volume necessário em cada planta e permitindo fertirrigação, que diminui o trânsito de máquinas, reduz a compactação do solo e as emissões.
Além disso, favorece o uso de insumos orgânicos e biológicos, fortalecendo a vida do solo e equilibrando o ecossistema. Assim, o produtor consegue aumentar a produção de forma eficiente e ambientalmente responsável. Esse modelo também abre espaço para transformar áreas degradadas em lavouras produtivas, conciliando recuperação ambiental e retorno econômico. O especialista reforça que, com planejamento e monitoramento adequados, não há risco de pressão sobre os recursos hídricos, mesmo em regiões como o MATOPIBA.

Inclusão dos pequenos e médios produtores
O avanço tecnológico não está restrito aos grandes. A Netafim oferece linhas de crédito, kits de irrigação acessíveis e projetos adaptados ao tamanho da área e ao nível tecnológico do produtor. Esses modelos tornam a tecnologia viável para a agricultura familiar, que costuma se destacar na produção de cacau fino e de maior valor agregado.
O acompanhamento técnico e agronômico é parte essencial do processo, garantindo que a irrigação seja usada em seu potencial máximo e de forma sustentável.

O futuro da cacauicultura irrigada
As metas são ambiciosas. Até 2030, a Netafim pretende alcançar 50 mil novos hectares de cacau irrigado no Brasil, em parceria com distribuidores certificados responsáveis pelo suporte em campo e no pós-venda.
Com a integração entre irrigação, fertirrigação, soluções digitais e genética, o país reúne todos os elementos para avançar rapidamente. “Acredito que em cerca de cinco anos o Brasil já figure entre os quatro maiores produtores do mundo”, projeta Emerson Silva.
O cacau irrigado surge, assim, como vetor de produtividade, qualidade e sustentabilidade, reposicionando o Brasil no mapa mundial do chocolate e abrindo caminho para uma agricultura de futuro.

