Taxar a produção ou taxar a ignorância? Por que as “taxações do pecado” não se aplicam aos agroquímicos

Por Luis Eduardo Pacifici Rangel, membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS).
Luis Eduardo Pacifici Rangel

Publicado em 12 de dezembro de 2025 às 06h27

Última atualização em 11 de dezembro de 2025 às 14h08

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Por Luis Eduardo Pacifici Rangel, membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), Ex-secretário de Defesa Agropecuária e Ex-Diretor de Análises Econômicas e Políticas Públicas do MAPA

Nos últimos meses, o debate sobre tributação de agroquímicos voltou à pauta nacional, alimentado por ações judiciais e discursos políticos que propõem taxas “pigouvianas” (taxa do pecado) para corrigir supostas externalidades ambientais. A ideia soa nobre: quem polui, paga.

Mas, quando aplicada aos insumos agrícolas, revela-se um erro conceitual travestido de percepção de risco — e uma ameaça à segurança alimentar do país.

O que é uma taxa pigouviana — e por que não se aplica aqui

O economista britânico Arthur Cecil Pigou, no início do século XX, defendeu que atividades que geram custos sociais, como a poluição, deveriam ser tributadas para internalizar tais custos. Essa lógica funciona apenas em mercados em que o consumo diminui quando o preço aumenta — o que não é o caso dos agroquímicos.

Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB), liderados por Luis Eduardo Rangel, mostra que esses insumos possuem elasticidade-preço da demanda extremamente baixa. Em outras palavras, mesmo que fiquem mais caros, os produtores não reduzem seu uso, porque não há substitutos imediatos capazes de garantir o mesmo nível de produtividade e controle de pragas.

O resultado é previsível: o aumento de tributos eleva o custo de produção, pressiona os preços dos alimentos e agrava a inflação, sem qualquer efeito ambiental mensurável. Em síntese, o imposto recai sobre o consumidor, não sobre o poluidor.

Insumos essenciais, não supérfluos

A Constituição Federal é clara ao prever o princípio da essencialidade: bens e serviços fundamentais à vida devem ter menor carga tributária. É o caso de sementes, fertilizantes e agroquímicos, pilares da segurança alimentar. Compará-los a cigarros ou bebidas alcoólicas, como fazem alguns juristas, é um erro técnico e científico.

Os agroquímicos são bens intermediários essenciais, e não supérfluos. Tributar seu uso como se fossem bens de consumo nocivos equivale a taxar o próprio funcionamento do sistema produtivo agrícola — algo que nenhum país de economia agrícola madura faz.

Evidências empíricas: o imposto que encarece, mas não reduz

A equipe da UnB analisou dados da Conab (2018–2023) para culturas de soja, milho, algodão e arroz. O estudo constatou que os fertilizantes e agroquímicos são os principais determinantes do custo total, com coeficientes positivos e altamente significativos (β = 1,34 e β = 1,06). A elasticidade-preço da demanda dos agroquímicos é praticamente nula — ou seja, o uso permanece constante mesmo com aumento de preço.

A simulação de cenários tributários mostra que a recomposição integral do ICMS e do IPI elevaria o custo médio das lavouras entre 7% e 14%, sem redução de uso. O algodão seria o mais afetado, seguido pela soja e pelo milho.
Isso confirma que o imposto não muda o comportamento produtivo, apenas transfere o ônus para a cadeia e para o consumidor final.

O resultado é coerente com estudos internacionais. Segundo Böcker e Finger (2017), a elasticidade média global da demanda por pesticidas é de –0,28, evidenciando que o consumo pouco reage a variações de preço. Mesmo nos países nórdicos, onde existem taxas ambientais, os efeitos só aparecem quando combinados com educação técnica, extensão rural e inovação tecnológica — nunca isoladamente.

A falha econômica de tributar o essencial

Em mercados de bens essenciais e oferta concentrada, o imposto pigouviano não reduz externalidades, mas cria distorções econômicas. O mercado global de agroquímicos é oligopolizado: 13 multinacionais controlam cerca de 90% das vendas mundiais. Em tal contexto, o imposto é integralmente repassado para o preço final, gerando o chamado “peso morto tributário” — perda líquida de bem-estar que atinge produtor e consumidor, sem ganho ambiental.

Além disso, como demonstram os modelos de incidência fiscal, o aumento de custos nos insumos provoca efeito regressivo: pesa mais sobre os produtores de menor escala e amplia desigualdades regionais.
Do ponto de vista macroeconômico, também ameaça a competitividade das exportações agrícolas, reduzindo margens e estimulando importações de alimentos de países com padrões ambientais mais baixos.

O papel da ciência econômica e agronômica

A agricultura moderna depende de um equilíbrio fino entre produtividade e sustentabilidade. A ciência econômica ensina que não se tributa o essencial, enquanto a agronomia lembra que defensivos são instrumentos de manejo, não de poluição.
Ignorar esses fundamentos é romper com a racionalidade das políticas públicas.

O estudo da UnB reforça que os gastos com agroquímicos funcionam como seguro de produtividade — um investimento para proteger a lavoura contra riscos biológicos e climáticos. O coeficiente de elasticidade positiva (0,5) indica que aumentos nos gastos com agroquímicos estão associados a elevações no valor da produção, embora de forma proporcionalmente menor — característica típica de bens inelásticos. Esse resultado confirma que o insumo exerce função produtiva essencial, e não apenas contábil, no sistema agrícola.

Quando a ideologia substitui a evidência

O problema é que o debate saiu da esfera científica e passou a ser dominado por narrativas jurídicas e morais. No STF, alguns advogados defendem que incentivos fiscais à agricultura seriam “subsídios a poluidores”. Esse raciocínio ignora o princípio constitucional da seletividade tributária, que orienta a menor tributação de bens essenciais. Inverter essa lógica significaria punir a produção de alimentos em nome de uma ideologia ambientalista que desconsidera as evidências.

Sustentabilidade não se impõe: se conquista

A experiência internacional mostra que inovações sustentáveis se difundem por competitividade, não por coerção. No Brasil, os bioinsumos — inoculantes e agentes biológicos — já crescem mais de 30% ao ano graças às vantagens comparativas da agricultura tropical, não a impostos. A política ambiental eficaz deve premiar quem adota tecnologias limpas, e não punir indiscriminadamente quem depende de insumos essenciais.

A tentativa de aplicar taxas pigouvianas aos agroquímicos é, portanto, um equívoco travestido de virtude. Ela ignora o comportamento inelástico desses insumos, desrespeita os princípios econômicos e ameaça a segurança alimentar de milhões de pessoas.

Conclusão: ciência, não convicção

Taxar agroquímicos não é “corrigir o mercado”, é distorcê-lo.
A teoria e a evidência empírica mostram que a seletividade tributária é o caminho mais racional: ela equilibra eficiência econômica, justiça fiscal e sustentabilidade. A agricultura sustentável não nasce da penalização, mas da inovação e da coerência científica.
Nota: O estudo “Desoneração Fiscal, Seletividade Tributária e Mercado de Insumos Agropecuários” será divulgado durante a COP 30, em Belém do Pará, pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável (IDS).

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