Sabe-se que o Brasil é um dos maiores produtores e exportadores agrícolas do mundo. Contudo, o país também enfrenta uma exponencial quantidade de problemas fundiários vinculados às propriedades rurais do País, na medida em que cerca de 50% dos imóveis no Brasil têm algum tipo de irregularidade, com dados de 2019, nos termos de pesquisa realizada pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional e divulgada no site da ANOREGBR[1]. Neste texto, saiba como iniciar o processo de regularização fundiária e os principais benefícios.
O que torna o resultado de referidas pesquisas preocupantes não são apenas seus números expressivos, mas, sim, os efeitos que a irregularidade fundiária pode trazer para os produtores rurais e para as empresas do setor agrícola. A regularização fundiária é indispensável à segurança jurídica dos negócios agrícolas, incluindo os negócios e questões familiares, como a transmissão de imóvel rural a título de herança.
Antes de tudo, é necessário entender que o único documento que garante o direito de propriedade do imóvel ao produtor rural é a escritura pública registrada em cartório. Essa imposição é obrigatória, na medida em que o 1º do 1.245[2] do Código Civil prevê que “enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.” Portanto, qualquer outro documento que transfira direitos, a exemplo da famosa “cessão de posse” ou “cessão de direitos”, não garante a propriedade do imóvel e gera riscos ao proprietário rural.
Por exemplo, se um imóvel for adquirido por mera “cessão de direitos”, na verdade, continuará, para os fins legais, sendo de propriedade do vendedor. Nesse sentido, se a pessoa quem vendeu o imóvel possuir dívidas passíveis e sofrer penhora em seu nome, o imóvel objeto da cessão de direitos poderá ser penhorado para satisfazer as dívidas que se encontram em nome do antigo dono, mesmo que o atual dono já esteja na posse do imóvel e possua cessão de direitos. Isso acontece justamente porque, para a lei, só é dono quem possui escritura pública devidamente registrada no cartório de registro de imóveis.
Outro grande problema decorrente da irregularidade imobiliária rural é a dupla escrituração, fenômeno caracterizado pela existência de dois ou mais registros imobiliários distintos sobre o mesmo imóvel rural, gerando assim uma sobreposição de titularidade. Muitas vezes, a dupla escrituração é resultante de práticas ilegais de grilagem e o verdadeiro proprietário do bem pode sofrer prejuízos se for titular apenas de “cessão de direitos” e outra pessoa surgir com a escrituração dupla ou indevida, pleiteando a propriedade do bem em juízo. Nesses casos, a discussão sobre a verdadeira propriedade pode levar a vários e vários anos na justiça.
Já os benefícios oriundos da regularização fundiária rural são inúmeros. Além de evitar os problemas mencionados, um imóvel rural devidamente registrado tende a valorizar muito mais do que um imóvel não regularizado no Brasil. Além disso, as possibilidades de negociação envolvendo o bem aumentam significativamente, já que o imóvel devidamente escriturado pode figurar como garantia em contratos de obtenção de crédito e/ou aluguel de maquinário.
Outro exemplo de benesse oriunda da regularização fundiária rural é formalização da cadeia produtiva, permitindo a emissão de notas fiscais, o acesso a certificações, o ampliamento do mercado de consumidores (inclusive internacionais) e a permissão para participar de programas de apoio governamental; porém, quando irregular o imóvel, não se pode exercer referidos benefícios.
Mas, quais são os primeiros passos para uma boa regularização fundiária rural? A Lei nº 11.952/2009, prevê que os primeiros e indispensáveis passos são: o preenchimento dos requisitos do art. 5º da Lei nº 11.952/2009[3]; o requerimento junto ao Órgão competente (a depender da dimensão territorial do imóvel e do estado que está localizado); o georreferenciamento da área (feito por agente público habilitado); e o registro nos sistemas oficiais. Por fim, contar com profissionais qualificados em cada passo da regularização fundiária pode evitar erros e possíveis atrasos no processo, reduzindo custos excessivos.
Uma vez apresentados os malefícios e as consequências provenientes da irregularidade fundiária rural, bem como as benesses eventualmente obtidas em caso de efetiva regularidade, é altamente indicado ao produtor rural e à empresa do setor agrícola que realize a regularização fundiária do seu imóvel rural, aumentando os índices de segurança jurídica das operações que envolvam o bem imóvel.
Biografia dos Autores:
Levi Brandão, Advogado Especialista em direito administrativo e gestão pública.
Sócio fundador e Head de Gestão, Administração e Contratos Públicos da Rocha & Brandão advogados.
Condecorado com o prêmio Missão Cartográfica Austríaca.
Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, possui vasta experiência em planejamento institucional, gerenciamento de riscos, gestão contratual, licitações e contratos administrativos, gestão orçamentária, patrimonial e financeira aplicada aos negócios.
Keven Silva, Auxiliar Jurídico.
Graduando em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal – UDF.
[1] https://www.anoreg.org.br/site/artigo-60-dos-imoveis-de-brasileiros-estao-irregulares-aponta-ministerio-por-marcio-m-cunha/
[2] Código Civil. Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
[3] Lei 11.952/2009. Art. 5o Para regularização da ocupação, nos termos desta Lei, o ocupante e seu cônjuge ou companheiro deverão atender os seguintes requisitos:
I – ser brasileiro nato ou naturalizado;
II – não ser proprietário de imóvel rural em qualquer parte do território nacional;
III – praticar cultura efetiva;
IV – comprovar o exercício de ocupação e exploração direta, mansa e pacífica, por si ou por seus antecessores, anterior a 1o de dezembro de 2004; e
IV – comprovar o exercício de ocupação e exploração direta, mansa e pacífica, por si ou por seus antecessores, anterior a 22 de julho de 2008;
V – não ter sido beneficiado por programa de reforma agrária ou de regularização fundiária de área rural, ressalvadas as situações admitidas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário.
IV – comprovar o exercício de ocupação e de exploração direta, mansa e pacífica, por si ou por seus antecessores, anteriores a 5 de maio de 2014;
V – não ter sido beneficiado por programa de reforma agrária ou de regularização fundiária de área rural, ressalvadas as situações admitidas pelo Incra.
Parágrafo único. Fica vedada a regularização das ocupações em que o ocupante ou o seu cônjuge ou companheiro exerçam cargo ou emprego público nos seguintes órgãos
I – Ministério da Economia;
II – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;
III – Incra; ou
IV – comprovar o exercício de ocupação e exploração direta, mansa e pacífica, por si ou por seus antecessores, anterior a 22 de julho de 2008;
V – não ter sido beneficiado por programa de reforma agrária ou de regularização fundiária de área rural, ressalvadas as situações admitidas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário.
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