
Autoria:
Marcelo Brossi Santoro
Engenheiro agrônomo, doutor e consultor
bsconsultoria.ltda@gmail.com
Antes de iniciarmos a discussão a respeito da produção brasileira de porta-enxertos, é importante deixarmos claro qual é a diferença entre multiplicação e propagação. Embora popularmente, em diversos casos, utilizemos essas palavras como sinônimos, do ponto de vista botânico e biológico há uma diferença muito significativa entre elas.
A multiplicação implica na reprodução sexuada, e portanto, onde há a troca de material genético. O uso de sementes é um exemplo da multiplicação. Por outro lado, na propagação (ou multiplicação vegetativa) não há a troca de material genético, como visto na estaquia, enxertia, alporquia, micropropagação, etc. Desta forma, os indivíduos resultantes da multiplicação são geneticamente únicos e novos, diferentes de seus progenitores (planta-mãe), enquanto os resultantes da propagação são clones de seu progenitor.
Métodos de multiplicação de mudas
O Brasil se vê hoje num cenário de crescente demanda por mudas de abacateiro, devido ao aumento da demanda do mercado nacional e internacional, além do entendimento de que se trata de uma fruta com excelentes características nutricionais e nutracêuticas. A fim de atender essas demandas, os viveiros de produção de mudas têm se tecnificado cada vez mais para garantir a formação de mudas que atinjam os padrões de qualidade necessários para a formação de pomares de elevada produtividade, uma vez que a muda é o coração de um pomar saudável e produtivo.

Hoje, a indústria brasileira de produção de mudas de abacate utiliza da técnica da enxertia para a manutenção das copas uniformes e garantir a produção de frutas idênticas em todos os pomares de abacate espalhados pelo país. Isso garante a perpetuação das cultivares-copa que conhecemos, como as tropicais ‘Fortuna’, ‘Margarida’, ‘Breda’, ‘Geada’, ‘Quintal’ e o famigerado avocado, a cultivar ‘Hass’.
Primeiros passos
Durante o processo da formação da muda, o primeiro passo é a formação dos porta-enxertos que receberão esta copa. Esse processo, hoje, é baseado majoritariamente na multiplicação e, portanto, no uso de sementes, conhecido como formação de mudas convencionais, ou mudas seedling. Esse processo de formação de mudas traz vantagens e desvantagens. A grande desvantagem é decorrente da elevada variabilidade genética que a cultura do abacate apresenta, oriunda de mecanismos revolucionários como a dicogamia protogínica.
Essa elevada variabilidade genética dificulta a homogeneização das mudas e processos nos viveiros, o que futuramente leva à heterogeneidade no campo, deixando os manejos em campo mais complexos e desuniformes.
Evolução genética
Pensando nessa variabilidade genética e buscando a resistência da cultura ao patógeno de solo Phytophthora cinnamomi, na década de 70, nos Estados Unidos, a Universidade da Califórnia iniciou pesquisas para desenvolver formas de uniformizar os porta-enxertos com técnicas de propagação. Até que no fim desta mesma década foram realizadas as primeiras produções comerciais de mudas de abacateiro usando porta-enxertos de origem assexuada, e essas mudas ficaram conhecidas como clonais. Esse processo garantiu a seleção de cultivares de porta-enxerto.
Esses materiais ainda não estão amplamente disponíveis no mercado brasileiro, sendo poucos viveiros com nível tecnológico para sua produção, como veremos a seguir.
Mudas convencionais e clonais – vantagens e desvantagens

Agora que entendemos um pouco mais sobre os diferentes tipos de porta-enxerto e mudas de abacateiro que podemos ter, mudas convencionais e clonais, a pergunta que sempre vem à mente é: “afinal, qual delas é a melhor?”. Infelizmente esse assunto não é linear e não existe uma resposta única e direta, afinal, existem inúmeros fatores que influenciam o processo da formação das mudas e diferentes situações no campo que vão influenciar diretamente o desenvolvimento delas. Cada caso deve ser estudado individualmente.
Quando pensamos nas mudas convencionais, cujos porta-enxertos são oriundos de sementes, a primeira vantagem que vem à tona diz respeito à abundância de matéria-prima. Sementes de abacate são facilmente encontradas no mercado e por um preço relativamente baixo. Entretanto, como principal consequência, cada porta-enxerto formado será um indivíduo completamente único. Mesmo que sejam frutos de uma mesma planta matriz, são chamados de ‘meio irmãos’ e não são idênticos.
Além disso, temos variações de velocidade de germinação, tamanho de semente, sanidade, resistência/tolerância a intempéries (biológicas/físicas) e tudo isso ainda atrelado à cultivar da qual obtemos essas sementes.

Variações
As sementes de ‘Margarida’ não têm as mesmas características que ‘Hass’ ou ‘Fortuna’, etc., e vice-versa. Outra fonte de variação extremamente difícil de controlar são os chamados pés-francos, plantas oriundas de sementes, ou seja, sem cultivar definida, cujas sementes são utilizadas na produção de mudas. E, apesar de terem o mesmo nome “Franco”, as plantas de pés-francos não têm relações genéticas entre si.
Pesquisas
Estudos preliminares mostraram que as sementes disponíveis no Brasil levam a resultados diferentes de produtividade, crescimento, formação de raízes e ainda resistência contra Phytophthora cinnamomi. Ou seja, há muita variação e poucos estudos realizados a respeito. Mas, apesar da variabilidade, isso não faz as mudas convencionais serem algo ruim. Para o viveirista, o processo de produção é muito mais fácil e rápido.
As seleções internas do viveiro garantem certo nível de homogeneização que ajudarão no campo, mas nada comparável às mudas clonais ou ainda com o nível de uniformidade de mudas cítricas. As mudas clonais, por sua vez, são oriundas de técnicas de propagação complexa, usando do estiolamento e estaquia de ramos, mas todo o processo também começa com sementes, as chamadas sementes-mãe (nurse seed, em inglês).
Método Brokaw
O método Brokaw é uma modificação do método Frolich y Platt desenvolvido na Califórnia nos anos 70. É, atualmente, o mais utilizado para produção de mudas clonais de abacate na África do Sul, Austrália, Espanha, Israel, Peru e Chile. Como podemos ver no esquema (figura 2), trata-se de um processo complexo e longo, que exige uma infraestrutura específica, como câmara de estiolamento e reguladores vegetais, o que adiciona complexidade e encarece o processo e o valor final das mudas aumenta.
Entretanto, o resultado são mudas que apresentam, além das copas idênticas, porta-enxertos também idênticos entre si. Isso garante ao pomar muito mais uniformidade, além de facilitar manejos e operações.

Oportunidade para o campo
A possibilidade de escolha de cultivares de porta-enxertos que melhor se adequam às condições adversas do campo é uma excelente oportunidade aos produtores rurais de diminuírem suas perdas, necessidade de replantar e garantia de manejos uniformes.
No Brasil, a Jaguacy (Bauru, SP), foi pioneira com o primeiro pomar de mudas clonais. Durante os anos de 2010 a 2013, o porta-enxerto clonal Dusa® (Westfalia®) induziu maior eficiência produtiva, massa média e calibre de frutos dos abacateiros ‘Hass’, quando comparado ao porta-enxerto de mudas seedling nas áreas da fazenda.
Conclusões
A produção brasileira de mudas de abacate ainda se baseia no uso predominante de sementes para a formação de porta-enxertos. Entretanto, já é nítido que muitos produtores e viveiristas observam as vantagens do uso de mudas clonais e trabalham continuamente para aumentar seu uso.
Esse mix de mudas clonais e convencionais deve trazer mais sustentabilidade à cadeia produtiva de abacate, de modo a otimizar o uso de água, recursos e também insumos (agroquímicos e fertilizantes).
É imprescindível que trabalhos de pesquisa de instituições públicas em parceria com o setor privado continuem a fim de trazer benefícios cada vez maiores aos produtores, consumidores e à indústria como um todo.
