A crise ambiental e climática que assola os sistemas de produção agrícola modernos tem evidenciado a necessidade de uma mudança estrutural na forma como se concebe e se organiza a atividade produtiva. Nesse contexto, o conceito de ecovalorização emerge como uma ferramenta técnica, ética e estratégica para reorientar os modelos agrícolas rumo à sustentabilidade, à regeneração ecológica e à valorização dos serviços ambientais prestados pela natureza.
Ecovalorização pode ser compreendida como o processo de reconhecer, integrar e promover os valores ecológicos de elementos naturais, práticas produtivas e territórios, atribuindo-lhes relevância funcional, social, econômica e simbólica. Trata-se de uma atividade que vai além da conservação passiva, propondo a incorporação ativa dos princípios ecológicos ao planejamento e à gestão da produção agrícola.
Esse conceito não se limita à valoração econômica dos recursos naturais, mas também inclui o resgate da funcionalidade ecológica, da biodiversidade, da resiliência dos agroecossistemas e da capacidade de sustentação da vida. Ecovalorizar é, portanto, atribuir significado técnico e prático ao que antes era ignorado, negligenciado ou considerado “externo” à lógica da produção.
A ecovalorização, em primeiro lugar, reconhece o solo como um organismo vivo, o ecossistema como um conjunto de interações interdependentes e o agricultor como um manejador de dinâmicas ecológicas. Ao valorizar a biodiversidade funcional, os ciclos biogeoquímicos, o equilíbrio entre organismos benéficos e a estrutura física do solo, promove-se a regeneração dos sistemas agrícolas como organismos resilientes, capazes de se autorregular e sustentar produtividade ao longo do tempo.
Nesse sentido, práticas como o uso de cobertura vegetal, rotação e consórcios de culturas, adubação verde, compostagem, manejo integrado da biodiversidade e uso de agrominerais são exemplos concretos de ecovalorização aplicada à agricultura. Elas contribuem para recuperar e potencializar funções ecológicas essenciais, como a infiltração da água, a ciclagem de nutrientes e o controle biológico natural.
A ecovalorização também atua na dimensão social, ao reconhecer os saberes tradicionais e locais, muitas vezes marginalizados pelos modelos tecnocráticos de produção. Povos indígenas, comunidades tradicionais, agricultores familiares e assentados da reforma agrária acumulam experiências de manejo integradas à paisagem e à conservação do território, que precisam ser valorizadas como fontes de inovação agroecológica.
Além disso, ecovalorizar é reconectar as pessoas à terra, à sua paisagem e à sua identidade cultural. Isso fortalece o sentido de pertencimento e a responsabilidade coletiva sobre os recursos naturais, elementos fundamentais para a gestão territorial sustentável.
A dimensão econômica da ecovalorização diz respeito à capacidade de agregar valor aos produtos e processos agrícolas que expressam compromisso com o ambiente. Alimentos produzidos com base em princípios ecológicos – como os orgânicos, agroecológicos, regenerativos ou de base comunitária – tendem a acessar mercados diferenciados, programas de compras públicas, selos de certificação e sistemas de comércio justo.
Mais do que isso, sistemas ecovalorizados tendem a reduzir dependência de insumos externos, aumentar a eficiência do uso dos recursos naturais e diminuir custos ambientais e sociais no longo prazo. A economia da ecovalorização é uma economia de circularidade, cooperação, funcionalidade e cuidado com a base da vida.
Por fim, a ecovalorização é uma atividade que demanda marcos normativos e políticas públicas coerentes. Programas de fomento à agroecologia, incentivos à restauração produtiva, planos de manejo participativo e apoio à pesquisa em sistemas sustentáveis são essenciais para criar o ambiente institucional necessário à transição ecológica da agricultura.
A incorporação do conceito de ecovalorização nos planos diretores municipais, nos zoneamentos ecológico-econômicos, nos projetos de assistência técnica e extensão rural, bem como nos instrumentos de pagamento por serviços ambientais, é uma estratégia política fundamental para a sustentabilidade de médio e longo prazo.
A ecovalorização não é um adorno conceitual ou um modismo ecológico. Trata-se de uma atividade necessária e estratégica para a reestruturação dos sistemas agrícolas, integrando ciência, ecologia, cultura e economia em torno do valor da vida e da funcionalidade dos agroecossistemas. Sua implementação exige vontade política, consciência social e formação técnica adequada, mas representa um dos caminhos mais promissores para restaurar o equilíbrio entre produção e natureza.
Autoria:
Afonso Peche Filho
Pesquisador científico do Instituto Agronômico de Campinas – IAC