No agro, não basta plantar bem – é preciso pensar estrategicamente. E quem diria que a entrelinha do café, muitas vezes ignorada após o plantio, poderia virar palco de uma revolução produtiva e sustentável? Por isso, a matéria de capa da Revista Campo & Negócios de junho apresenta o tema: café consorciado com soja ou milho: solo mais vivo, menos custo e lavoura mais forte.
É exatamente isso que o engenheiro agrônomo Carlos Eduardo Binotto, consultor à frente da 6Binotto Consultoria Agronômica, tem mostrado nos últimos anos com o consórcio de culturas nas lavouras de café em formação.
“A soja nas entrelinhas tem trazido benefícios que vão muito além do esperado. Começamos há cinco anos, questionando: é possível fazer consórcio respeitando as certificações ambientais? Hoje temos a resposta: sim, e com retorno agronômico, ambiental e econômico”, afirma Binotto.
Soja no café? Sim – e com lucro!
Enquanto o cafeeiro se desenvolve nos primeiros anos e ainda não entrega produção, a soja ou o milho tomam conta do espaço entre as linhas. Com isso, o produtor consegue gerar renda em um momento em que os custos são altos e o retorno do café ainda é zero.
Segundo Binotto, a soja consorciada pode devolver aproximadamente 1,0 kg de nitrogênio ao solo por saca colhida. “É nutrição que volta para o café, sem custo adicional. E mais: com a palhada da soja, reciclamos nutrientes que antes estavam inacessíveis ao sistema radicular do café”, diz ele.
Mais que renda: café consorciado com soja ou milho é construção de solo
E o ganho não é só no bolso. A presença da soja ou do milho entre as linhas do café contribui para melhorar a estrutura física e biológica do solo. As raízes dessas culturas ajudam a manter o solo descompactado, enquanto a diversidade de exsudatos radiculares atrai uma maior variedade de microrganismos benéficos.
“É um ambiente de solo mais vivo. A gente vê na prática a melhora na infiltração de água, na atividade biológica, na redução da pressão de pragas. O sombreamento da saia do café também reduz a temperatura do solo, minimizando a evaporação”, detalha.
Na prática: como funciona esse consórcio?
A quantidade de linhas de soja ou milho vai depender do espaçamento entre as fileiras do café. De forma geral, é possível trabalhar com quatro a cinco linhas de soja, ou três linhas de milho, nos dois primeiros anos da lavoura.
Mas e depois? Quando o café cresce, o pulverizador tradicional não entra mais entre as linhas. A solução? Drones agrícolas. “Já estamos planejando a adoção dos drones para continuar com o consórcio mesmo nos anos seguintes. É uma mudança operacional, mas vale o investimento”, afirma o consultor.
Sistema de cultivo integrado
Para Binotto, tecnologia e produtividade caminham lado a lado. Um dos principais marcos dessa evolução foi a introdução da colheitadeira Yanmar YH 880 — equipamento originalmente desenvolvido para o cultivo de arroz irrigado, especialmente em áreas menores, como as da China e do Japão. Ao chegar ao Brasil, a máquina foi testada no Rio Grande do Sul, onde demonstrou desempenho consistente também em outras culturas.
“O grande diferencial da YH 880 é que ela já vem com a boca adaptada para colher soja e milho”, explica Binotto. “Isso ampliou muito a versatilidade e abriu caminho para a adaptação do equipamento em sistemas de cultivo integrados.”
A partir desse ponto, a equipe começou a direcionar o uso da colheitadeira também para feijão e trigo, consolidando sua presença em diferentes frentes produtivas.
Mais do que um bom desempenho operacional, a colheitadeira teve papel estratégico: foi determinante na definição do espaçamento ideal entre as ruas e plantas de café, além da densidade de plantio. “Ela influenciou diretamente o planejamento do sistema de cultivo — e isso mudou a forma como desenhamos toda a lavoura”, reforça.
Equipamento viabiliza plantio alternado
Outro destaque na propriedade é o uso do pulverizador da Jacto, um turboatomizador de torre, tradicionalmente utilizado no manejo do café. Esse equipamento foi o ponto de partida para o sistema de plantio alternado: uma linha com café, outra sem, permitindo a pulverização eficiente tanto do café quanto da soja cultivada nas entrelinhas.
Para a safra atual, esse sistema segue sendo aplicado com bons resultados. Mas a próxima etapa já está desenhada com um novo salto tecnológico: a expectativa é plantar todas as linhas com café e realizar a pulverização com drones, que oferecem alta precisão e eficiência, mesmo em áreas mais adensadas.
O papel do manejo inteligente
Para Binotto, um dos maiores entraves à adoção desse sistema é a quebra de paradigmas. “Exige conhecimento profundo das duas culturas, um olhar atento para o manejo integrado e planejamento em todos os detalhes – da análise física e química do solo à escolha da cultivar ideal.”
A escolha da variedade da soja ou do milho consorciado depende da altitude da área, da presença ou não de nematoides, da pressão de pragas e das exigências de certificações ambientais. “Temos que respeitar os defensivos permitidos em ambas as culturas e ainda dentro das regras de cada selo. É um quebra-cabeça, mas temos montado bem”, explica.
Biodefensivos: aliados indispensáveis
Uma sacada importante da consultoria tem sido o uso crescente de biodefensivos, tanto no café quanto nas culturas consorciadas. Segundo Binotto, eles ajudam a controlar pragas e doenças de forma preventiva e ainda estimulam o crescimento das raízes e da planta como um todo.

Cobertura de solo – custo ou investimento?
Outro ponto forte do consórcio é que, após a colheita da soja ou do milho, o solo permanece coberto com uma grande quantidade de palhada, o que protege contra erosão e perda de umidade.
E aqui está o pulo do gato: diferentemente das plantas de cobertura tradicionais, que custam dinheiro, a soja e o milho geram retorno financeiro além de cobrir o solo.
“É um ganho duplo: produzimos, lucramos e ainda construímos solo para o café”, resume Binotto.
Conclusão: café consorciado com soja ou milho vale a pena?
Mais do que uma técnica inovadora, o consórcio de culturas com o café tem se mostrado uma estratégia de produção inteligente e sustentável, especialmente para os anos de formação da lavoura.
Gera renda, reduz o uso de herbicidas, recicla nutrientes, melhora o solo, otimiza a água e ainda abre espaço para um sistema mais resiliente – tanto econômica quanto agronomicamente.
O que antes era só entrelinha virou oportunidade. E, para quem quiser avançar nesse caminho, a dica de Binotto é clara: “Planejamento, conhecimento técnico e mente aberta. Com esses três pilares, é possível transformar cada metro quadrado da fazenda em valor.”
LEIA TAMBÉM: