A capa da Revista Hortifrúti de novembro de 2025 mostra como enzimas da casca de alho podem ser grandes aliados na luta contra os nematoides.
Uma pesquisa desenvolvida pela cientista Cecília Baldoino Ferreira, natural de São Gotardo (MG), no Laboratório de biotecnologia e bioquímica aplicada da Universidade Federal de Lavras, apresentou um avanço promissor no combate aos nematoides — parasitas microscópicos que atacam as raízes das plantas e causam perdas milionárias à agricultura.
O estudo, que resultou em patente, levou mais de um ano de experimentos e análises até chegar ao método ideal.
Da casca de alho ao controle bioquímico
A descoberta parte de uma premissa simples, mas poderosa: aproveitar o que antes era desperdício. Em regiões como São Gotardo, as cascas de alho são geralmente descartadas no solo, em grandes volumes, para virar matéria orgânica. O problema é que o acúmulo pode gerar impactos ambientais e logísticos, tornando o descarte um desafio para produtores e indústrias.
“Durante muito tempo, dizia-se: ‘Você não vale nem uma casca de alho’. Mas nosso trabalho mostra justamente o contrário: essa casca tem valor”, brinca Cecília.
Ao analisar o resíduo, a equipe orientada pelo doutor e professor Filippe Soares identificou a presença de proteases, enzimas que catalisam a hidrólise de ligações peptídicas, quebrando proteínas.
Quando aplicadas sobre os nematoides, essas enzimas degradam a cutícula — uma espécie de escudo protetor essencial à sobrevivência desses parasitas. “Sem essa barreira, os nematoides perdem integridade e morrem. Essa ação foi comprovada em duas espécies: Panagrellus sp. e Meloidogyne incognita, com evidências visuais claras da degradação da cutícula”, explica a pesquisadora.
Uma alternativa limpa aos nematicidas sintéticos
O método desenvolvido se diferencia dos nematicidas químicos tradicionais, que costumam apresentar alta toxicidade, risco de contaminação ambiental e efeito indiscriminado sobre organismos benéficos. “Nosso extrato atua por um mecanismo enzimático, mais específico e seguro. Ele representa uma alternativa sustentável, alinhada à bioeconomia e à agricultura de baixo impacto ambiental”, destaca Cecília.
A pesquisadora ressalta que, além de ser eficaz, o extrato agrega valor a um resíduo antes considerado sem utilidade, tornando a cadeia produtiva do alho mais circular e sustentável.
Resultados expressivos no agro em geral
Além de todos esses resultados, as plantas de soja, no teste, apresentaram melhor desempenho: cresceram mais, ficaram mais vigorosas e produziram, em média, quatro vagens a mais do que as não tratadas. A altura média também foi superior — 91,8 cm contra 80,9 cm no grupo controle.
“O que vemos é que o extrato não apenas controla os nematoides, mas também melhora o desempenho geral da cultura”, comenta Cecília.
Potencial de uso em diferentes culturas
Segundo a pesquisadora, o mecanismo das proteases atua diretamente sobre a estrutura da cutícula dos nematoides, o que permite ampla aplicação em diferentes culturas agrícolas.
Ainda assim, ela faz um alerta: o extrato precisa ser preparado e armazenado adequadamente para preservar a atividade enzimática.
“Durante os experimentos, aplicamos o produto em horários de menor radiação solar, para evitar a degradação das enzimas. Esse é um cuidado fundamental para manter a eficácia”, explica.
Da bancada ao mercado
A tecnologia já conta com registro de patente, o que garante a proteção intelectual do trabalho e abre caminho para futuras parcerias e formulações comerciais.
No entanto, Cecília destaca que ainda há etapas importantes antes da chegada ao campo: “Os resultados são muito promissores, mas precisamos avançar com testes em escala real, em campo aberto. Só assim poderemos avaliar o desempenho em diferentes condições e culturas.”
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