
Cláudia Lopes Prins
Engenheira agrônoma e doutora em Produção Vegetal – Universidade Estadual do Norte Fluminense/RJ
prins@uenf.br
A produção mundial de cebola, liderada por Índia, China e Países Baixos, também foi influenciada por condições climáticas desfavoráveis, assim como as principais regiões produtoras de cebola no Brasil – nordeste e sul. A Argentina é o principal exportador de cebolas para o Brasil e tem sido afetada pelas altas temperaturas e secas que comprometem a produção de cebola naquele país.
De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia, 2023 foi o ano mais quente da série histórica no Brasil, com temperatura média de 24,92°C. Ainda segundo o instituto, houve nove ondas de calor no país, resultado do fenômeno El Niño que afetou todo o planeta.
Os dados climáticos mostraram que temperaturas elevadas foram observadas, entre outros, no Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Goiás, Bahia e Pernambuco, estados que são os principais produtores de cebola no país.
A cebola é uma hortaliça, cujo órgão comercializado é o bulbo, que é uma estrutura formada por folhas espessas e suculentas especializadas no acúmulo de reservas.
O acúmulo de reservas no bulbo e, consequentemente seu crescimento, se dá pelo direcionamento de fotoassimilados (açúcares produzidos nas folhas) para a base da planta. Esse processo necessita de condições específicas para ocorrer.
Importância do fotoperíodo
O fator determinante para a bulbificação é o fotoperíodo, que corresponde ao número de horas de luz ao qual a planta é exposta. Na região de origem da cebola, que abrange os territórios onde atualmente estão Irã, Afeganistão e Paquistão, o verão tem dias longos com até 15 horas de luz.
O desenvolvimento e adaptação da espécie nessas condições resultou na exigência de um fotoperíodo longo como estímulo à bulbificação.
Temperatura
A temperatura também afeta a bulbificação. A temperatura ótima para o desenvolvimento do bulbo está na faixa de 12/15 a 24/25°C, temperaturas inferiores ou superiores comprometem o crescimento do bulbo.
A combinação de dias longos e temperaturas moderadas ativa genes que induzem a bulbificação como o AcFT1, indicando que, embora o controle da bulbificação seja feito pelo fotoperíodo, a temperatura modula esse processo.
Além dos efeitos associados diretamente ao gene AcFT1, a temperatura pode afetar a bulbificação por meio dos efeitos sobre o crescimento da parte aérea da planta. O crescimento do bulbo, como já visto, depende do armazenamento de reservas, que são carboidratos resultantes do processo fotossintético.
Quando a atividade fotossintética é comprometida, o envio de assimilados para formação do bulbo também é reduzido. Em regiões de clima predominantemente tropical, como o Brasil, a alta temperatura é um dos principais fatores limitantes à produção agrícola.
Em condições de temperatura elevada, processos ligados diretamente à atividade fotossintética, como os sistemas de captação, transmissão e geração de energia, são negativamente afetados.
Além disso, ocorre fechamento estomático, produção de radicais livres e fotorrespiração. Assim, altas temperaturas, além de afetarem negativamente a bulbificação via influência sobre o principal gene responsável pelo processo, também levam à redução de fontes de reserva para enchimento do bulbo.
Tais efeitos levam à redução da produtividade e bulbos de menor calibre que comprometem os ganhos do produtor.
O que fazer?
Diante dos efeitos das altas temperatura sobre a produção de cebola, a intensificação da ocorrência de ondas de calor e a projeções que indicam tendência de elevação da temperatura média global (segundo a Organização Meteorológica Mundial, as chances de a temperatura média global exceder 1,5°C é de 47%), torna-se necessária a adoção de estratégias para mitigar os impactos da elevação da temperatura.
Híbridos são resultantes do cruzamento de linhagens, que objetiva combinar características superiores de ambas. Os híbridos F1 são resultantes do cruzamento de linhagens puras. Características como tolerância aos fatores climáticos como, por exemplo, altas temperaturas, podem ser obtidas em híbridos.
Estratégias eficientes
O desenvolvimento de híbridos resistentes a altas temperaturas é uma estratégia para lidar com os efeitos adversos dessa condição climática. O processo de obtenção de híbridos é longo e complexo.
Para a cebola, a obtenção de híbridos requer o desenvolvimento de três linhagens endogâmicas, uma macho-estéril (ME) e duas macho-férteis (MF). Técnicas de identificação de ME e MF que envolvem marcadores moleculares podem reduzir o tempo necessário para obtenção dos híbridos.
Ainda assim, pode levar aproximadamente 12 anos para concluir o ciclo e realizar os ensaios finais para o lançamento do híbrido.
Os híbridos resistentes a altas temperaturas são capazes de manter a produtividade e qualidade dos bulbos, adaptando-se a diferentes regiões e apresentar produtividades superiores.